BRASIL – O rádio é dono de uma das mais belas histórias dos meios de comunicação. As primeiras experiências públicas de transmissão de mensagens pelas ondas radiofônicas geraram tanta tensão e expectativa quanto os lançamentos de foguetes para o espaço, respeitando as devidas proporções, é claro. Sem dúvida seu início foi um grande acontecimento, contou inclusive com disputa pela sua paternidade, o que não é inédito na história da comunicação.
Foi longa a trajetória percorrida da mera condição de hobby de playboys até a consagração de sua popularidade e reconhecimento como espaço para divulgação comercial. O rádio já foi motivo de reuniões de amigos e de famílias, que sintonizados na mesma frequência, consumiam coletivamente um determinado programa. O barateamento dos aparelhos de rádio deu início a um processo de consumo cada vez mais individual.
Autofalantes já não precisavam ser dispostos em praças e gradualmente foram desenvolvidos novos hábitos de consumo que se sofisticariam até que o rádio convergisse aos bunkers tecnológicos atuais.
Quando ainda era uma estudante de especialização, tive a oportunidade de presenciar um evento com locutores e rádio atores em uma Universidade em São Paulo. Auditório lotado, plateia jovem mais interessada nas horas de atividades complementares e uma mesa-redonda composta por senhores e senhoras cujas vozes, um tanto carcomidas pelo passar dos anos, ainda carregavam a lembrança da potência que um dia possuíram. No discurso comum aos participantes, o saudosismo quanto às transmissões ao vivo dos programas de auditório, das radionovelas e das famosas cantoras do rádio.
Os participantes da mesa confidenciaram à plateia, agora silenciosa e interessada, o prazer de atuar nos anos de ouro desse meio de comunicação, numa época em que belas vozes faziam crer na beleza dos locutores e mobilizavam multidões apaixonadas em frente aos estúdios. Contaram sobre as paisagens sonoras criadas com sonoplastia totalmente artesanal. O sonoplasta se desdobrava para dar conta de recriar o som dos cascos de cavalo em pleno trote, da porta do casebre se abrindo, do barulho da chuva, do mar agitado e tantos outros que permitiam projeção do ouvinte na narrativa, como a viagem que um bom romance proporciona ao leitor.
E o que dizer da publicidade no rádio? Os clássicos spots publicitários com locuções standards e caricatas e os criativos jingles ainda dão verdadeiras aulas de adequação de mensagens comerciais às possibilidades oferecidas por esse meio de comunicação.
O rádio inicialmente aspirou ao teatro e inspirou a TV, a qual precisou aos poucos encontrar uma linguagem própria, porque o rádio já havia configurado a sua. Entretanto, com a chegada do digital essa zona de conforto se desfez. Seu planejamento, execução e edição sofreram a ação das redes de conexão. O rádio foi repaginado, ressignificado, assumiu nova significação social. Virou companheiro de treino, manutenção da saúde mental do motorista engarrafado na hora do rush e parceiro de toda e qualquer fila.
O ouvinte agora faz as vezes de radialista e seu formato preferido é o podcast. É o rádio de nicho, é o rádio desvencilhado dos grandes conglomerados midiáticos. É a prova de que o rádio sempre soube se reinventar. E atendendo aos apelos da sociedade imagética, os programas radiofônicos agora exibem seus bastidores.
E encerro essa homenagem ao rádio com uma percepção bem particular: o rádio é terapêutico.
Por Cláudia Ribeiro Monteiro Lopes – Doutora em Comunicação e Semiótica e Coordenadora do Curso de Comunicação Social da Wyden