Justiça

Ativismo Judicial: a solução pode vir somente do Legislativo

A República brasileira foi organizada na Constituição Federal de 1988 com base no princípio da separação dos poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário), os quais se fiscalizam mutuamente, sendo o controle do poder pelo poder um dos objetivos do mecanismo de “freios e contrapesos” inerente à separação de poderes. Outro pilar da República é o “princípio federativo”, que estabelece a divisão entre as unidades administrativas (União, estados e municípios), delimitando suas competências normativas e de gestão.

No entanto, a realidade não reflete plenamente o que está previsto em teoria. No Brasil, a União concentra quase 70% da arrecadação tributária e detém ampla competência legislativa sobre os principais temas, resultando em um sistema altamente centralizado — muito mais do que, por exemplo, nos Estados Unidos, país que serviu de inspiração para o modelo brasileiro.

Aos municípios cabe a gestão local, geralmente subordinada a normas federais de caráter nacional, ficando sua competência legislativa restrita a assuntos de interesse estritamente local. Já os estados, por sua vez, possuem um papel legislativo residual, limitado pelas competências já exercidas pela União e pelos municípios.

Além disso, observa-se um fenômeno recente: a hipertrofia do Poder Judiciário e o ativismo judicial. O número de decisões monocráticas do Supremo Tribunal Federal (STF), instância máxima do Judiciário, cresceu significativamente a partir de 2019. A corte tem intervindo em diversas áreas, como políticas públicas, finanças, segurança e saúde, afetando todos os entes da federação.

A eventual “inércia” dos poderes legislativos na regulamentação de temas sensíveis não pode ser utilizada como argumento em favor do ativismo judicial, uma vez que, na grande maioria das vezes, o silêncio do Parlamento ocorre justamente porque o tema não possui consenso ou relevância social suficiente para motivar uma regulamentação. Esse fenômeno é conhecido como “silêncio eloquente”.

O risco desse protagonismo judicial já havia sido alertado nos debates sobre a Constituição dos Estados Unidos. O Federalista n.º 78, de Alexander Hamilton, destaca que “o Judiciário, de todos os ramos, será sempre o menos perigoso para os direitos políticos da Constituição”, pois não dispõe nem da “espada” (força militar) nem da “bolsa” (recurso financeiro). No entanto, quando passa a agir além da sua função original, extrapolando a interpretação constitucional e assumindo um papel criador de normas, o equilíbrio entre os poderes se rompe, gerando instabilidade institucional.

O Poder Judiciário, embora influencie diretamente as administrações públicas em todos os entes da federação, não é responsabilizado por suas determinações, o que gera crises institucionais e insegurança jurídica sempre que suas decisões impactam a governança do país. Essa tendência, além de comprometer o princípio da separação dos poderes e enfraquecer o pacto federativo, cria precedentes que afetam as normas de accountability.

Diante desse cenário, cabe aos parlamentos, notadamente ao Congresso Nacional, o papel essencial de corrigir essas distorções. É por meio da atividade legislativa que se pode restabelecer o equilíbrio entre os poderes, reforçar o pacto federativo e garantir que a tomada de decisões siga os princípios democráticos e constitucionais. O fortalecimento da atuação do Legislativo na definição das regras que norteiam o país é fundamental para evitar excessos e assegurar que a distribuição de competências entre os entes federativos e os poderes seja respeitada.

Fernando Borges de Moraes, advogado.

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