Era uma vez um país onde o direito se equilibrava entre princípios constitucionais e coerência lógica. Acreditava-se, ingenuamente, que a regra do jogo era clara: crimes deveriam ser julgados por juízes conforme previsto no ordenamento, a censura era um fantasma do passado e ninguém seria preso sem uma culpa individualmente demonstrada. Mas os tempos mudam, e com eles, as regras do jogo, sobretudo quando a caneta e a toga optam pela criatividade e não pela legalidade.
A primeira inovação criativa veio com a redefinição do conceito de “juiz natural”. Até então, a Constituição era simples e clara: cada acusado seria julgado por um magistrado previamente definido por critérios objetivos. Mas como a criatividade não tem limites, decidiu-se que não importava se alguém tinha ou não prerrogativa de foro — algumas causas são “nobres” demais para ficarem nas mãos da primeira instância. O jogo agora tem cartas marcadas e embaralhadas por quem deveria apenas segui-las.
Mas as inovações não param por aí. Quem diria que a liberdade de expressão, outrora um pilar sagrado da democracia, viraria uma relíquia arqueológica? Jornalistas, ativistas e cidadãos comuns, inclusive aqueles que se manifestam do estrangeiro, descobriram, da pior forma possível, que falar pode ter consequências — e não aquelas previstas na Constituição, mas sim aquelas que dependem do humor do dia ou do lado político que está o sujeito. A censura, que tanto se condenava no passado, agora veste um manto de nobreza: é para proteger a democracia, dizem os defensores de inquéritos intermináveis.
E quem diria que prisões sem uma culpa individualizada se tornariam a nova tendência jurídica? O famoso “prende e depois vê” substituiu o velho “in dubio pro reo”. Centenas de pessoas, acusadas genericamente, viram-se enredadas em uma teia que, estranhamente, não parece capturar todos com o mesmo rigor. Algumas prisões provisórias parecem definitivas, enquanto algumas liberdades parecem provisórias demais.
Igualmente surpreendente é o silêncio de muitos dos colegas advogados “garantistas”, aqueles que sempre se manifestaram publicamente em favor da ampla defesa — notadamente quando pendiam várias ações penais contra um certo ex-presidente. Outrora defensores fervorosos do devido processo legal, agora parecem satisfeitos em assistir a tudo de camarote, como se princípios fossem descartáveis quando o acusado não se alinha às suas simpatias políticas.
O cenário é claro: os princípios constitucionais já não são tão princípios assim. Mas quem precisa de direitos quando se tem vontade, poder e um “verniz jurídico” para justificar qualquer coisa? A toga agora pesa mais do que a Constituição e o futuro reserva apenas uma certeza: amanhã, novas surpresas jurídicas nos aguardam, porque, afinal, inovar é preciso. Use sua criatividade!
Fernando Borges de Moraes, advogado.