Política

100 anos de Raymundo Faoro

Poucos nomes na história da Ordem dos Advogados do Brasil ressoam com a força moral e intelectual de Raymundo Faoro. Nascido em Vacaria (RS), em 27 de abril de 1925, e falecido no Rio de Janeiro, em 15 de maio de 2003, Faoro foi advogado, professor, cientista político e presidente nacional da OAB entre 1977 e 1979 — período em que sua liderança se tornou um marco no enfrentamento à ditadura.

Sua trajetória como jurista e pensador ultrapassou as fronteiras da advocacia. Autor de Os Donos do Poder: Formação do Patronato Político Brasileiro, obra fundamental da ciência política nacional, Faoro introduziu no debate público o importante conceito de “estamento burocrático” — uma elite do aparelho estatal, formada por burocratas e funcionários públicos, que se perpetua no poder mesmo sem representatividade popular, moldando as instituições de acordo com interesses próprios. Essa leitura crítica do estado brasileiro, marcada pela continuidade patrimonialista, foi essencial para a compreensão dos obstáculos à consolidação da democracia no país.

Mas foi como presidente da OAB que Raymundo Faoro escreveu uma das páginas mais luminosas da história da advocacia brasileira. Em tempos de censura, prisões arbitrárias e cassações sumárias, coube a ele conduzir a OAB como instituição de resistência democrática, mantendo viva a chama do estado de direito em meio ao autoritarismo.

Sua atuação pela anistia foi decisiva. Em 1978, a OAB, sob sua presidência, passou a defender publicamente uma anistia ampla, geral e irrestrita — não como um favor do regime, mas como o objetivo de pacificação social. Faoro via na anistia o primeiro passo para a reconstrução do pacto democrático e posicionou a OAB como protagonista nesse movimento nacional. O documento oficial da OAB em defesa da anistia, redigido sob sua liderança, serviu de base para as pressões que culminariam, em 1979, na edição da Lei nº 6.683, que concedeu a anistia.

Durante sua gestão Faoro também fez questão de preservar a independência da OAB diante do regime, mantendo o diálogo com todos os setores da sociedade civil. Sua coragem e lucidez transformaram a OAB em um dos principais núcleos de resistência contra a ditadura.

Neste mês de abril de 2025 comemora-se os 100 de nascimento de Faoro. Seu legado permanece atual. Mais do que um presidente de Ordem, Faoro foi um intelectual da liberdade, que compreendia profundamente o papel do direito na contenção dos abusos do poder. Foi a voz jurídica do Brasil quando a Justiça silenciava. Foi farol para a advocacia, mas também para o país.

No momento em que o país volta a debater a prevalência das garantias constitucionais diante do poder do estado, havendo notícias de censura e de prisões à revelia do “juiz natural”, a atuação histórica de Raymundo Faoro ressurge como exemplo de grandeza institucional, compromisso democrático e coragem cívica. Ele nos lembra que a advocacia não é neutra: é, por essência, uma trincheira em defesa das liberdades independentemente de quem figure como investigado ou réu e do crime de que é acusado. Ao reverenciar Raymundo Faoro, reverenciamos a própria vocação da OAB — ser guardiã dos direitos fundamentais, da democracia e do estado de direito.

Fernando Borges de Moraes, advogado.

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